22 de janeiro de 2004

Família

Eu sou acordado com o telefone. Meu pai me lembra da festa. Salto da cama e corro pro banheiro. Bate uma tristeza. Saudade do passado. Anos sem a família paterna. Quinze anos quem sabe. Não lembro os nomes. Tia Léa tem dois filhos e deles eu lembro. Tia Marly tem quatro mas não lembro de todos. Tia Elza ( a dona da festa) e Tia Nancy. E os primos? E os cônjuges dos primos? E os filhos dos primos? Estou desesperado. No box, a memória é falha. Mudo o foco, ele está comigo. Onde será que ele está. Os pensamentos se misturam. Se diluem. O telefone toca e eu não atendo. Será que os primos estão bonitinhos? E as primas será que estão gordas e varizentas? Uma galera que adora churrasquinho na lage e outra galera que arrota caviar. Todos se amam. Eu me afastei deles. Achava que não era como eles. Eu fiquei vazio. Eles evoluíram, continuaram família, brigaram e se embebedaram juntos. Festas de casamento, aniversários, batizados, enterros, churrasquinhos, piscina tony. Eu perdi tudo isso. Eu era esnobe. Estou só frisson. Escolho a beca. Impressiono? Vou largado? Sigo os conselhos de Kátia (psican...) e fico sentadinho no canto até que alguém me aceite de novo? Preciso ser humilde. Eles têm direito de me rejeitar. Eu os rejeitei. Agora preciso deles. São a minha salvação. São minha gente. Chego na festa. bodas de prata da Tia Elza. Festa surpresa. Ela não está. Vejo rostos conhecidos mas e os nomes? Meu Deus, os nomes? Medo de uma gafe. Eles me recebem com um carinho encantador. Minhas tias fazem festa pra mim. Beijos e declarações de saudades. Os primos se entreolham e cochicham. Eu fico envergonhado. Meu pai me exibe como troféu. Ele vai logo avisando: " - Ele voltou galera." Meu pai exagera: " - Ele é tá na TV, sabia?" Eu fico completamente encabulado. Tomo um chope. Relaxo. Tia Elza chega com Zezinho. Chora de emoção. Abraça todos. Agradece a todos. Chora mais um pouquinho. Zezinho pega logo um copinho de caipirinha. Ele é só alegria. Ele é o mais animado de todos. Lembro disso: ele sempre foi o mais animado. Meu pai tem um sorriso largo. Quase chora de emoção. Eu tô mais soltinho. Arrisco uma dança com uma prima mais receptiva. Ela gira ao meu redor. Seu vestido é turquesa e gira feito um peão. Me divirto com isso. Meu sorriso é popular. Os primos se aproximam. Fazem muitas perguntas. Questionam a TV. Não falam do passado. Não me cobram nada. Sou feliz agora. Como o bolo da festa e faço um pedido com o primeiro pedaço. A festa vai rolando e eu me enturmando. Eu preciso deles. Eu sou família. Eu sou parte dessa galera da lage que come churrasquinho, faz vaquinha pra comprar mais cerveja, briga por religião, comida, música e se ama sem pudor de ser feliz.

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