Voz de passarinho
Dizem os mais amargos que ela é um grande talento para poucos ouvidos. Dizem os mais eufóricos que ela é a promessa de mais um recomeço. Dizem os mais sensatos que se não a tornarmos mais visível e presente nessas terras tropicais, corremos o risco de perde-la para um profundo e internacional horizonte. Cibelle é esse tipo de talento: basta ouvir para se encantar com alegria e tristeza.
A paulista Cibelle, em seu segundo álbum, The Shine of Dried Electric Leaves, confunde aos desavisados com uma voz que lembra muito outras cantoras brasileiras; as mais lembradas são Bebel Gilberto, Marisa Monte e Vanessa da Mata. Entretanto, as semelhanças param por aí. Cibelle, que mora em Londres desde 2002, segue rumo próprio e se destaca no cenário de cantoras nacionais com um experimentalismo sonoro que vem sendo chamado de Música Contemporânea Brasileira: muita inventividade, muitas sensações de escapismo, flerte intenso com a música eletrônica, parcerias polivalentes e conquistas além mar. Com um timbre doce, Cibelle canta muitas vezes como se estivesse em momento de prece, de amor sublime, reflexo da delicadeza das notas que mais parecem o canto de um passarinho à sombra de uma árvore.
Mas Cibelle voa alto e longe. No repertório de The Shine of ... pode-se ouvir versões eternizadas de grandes compositores como Caetano Veloso nas ótimas 'London, London' (canção que Caetano compôs quando esteve no exílio em Londres durante a ditadura militar) e 'Cajuína'. Há ainda uma vaporosa interpretação de 'Por Toda a Minha Vida', do saudoso Tom Jobim. 'Green Grass', composta por Tom Waits, ganha ares soturnos na versão da cantora. Cibelle canta muitas músicas em inglês, sim, e isso não é um demérito. As intervenções em inglês são um "plus a mais” e confere à artista um ar cosmopolita e visionário. 'Train Station', por exemplo, é um folk sensorial que remete qualquer ouvido mais atento para paraísos acalorados, daqueles com horizonte perdido e desejo de limonada suíça. A semelhança latente com a mato-grossense Vanessa da Mata é mais presente em 'Minha Neguinha', uma quase cantiga de roda de décadas passadas, uma das composições da cantora.
Cibelle é uma cantora que entende o movimentos dos ventos de seu tempo e se comporta como uma autêntica e inteligente voz contemporânea. É uma voz para muitos, para todos, que não pretende recomeçar nada e está longe (no bom sentido) da iconoclastia de Gal Costa nos primórdios da Tropicália. Porém, já é produto de luxo brasileiro no mercado internacional, de mentes frescas e interessadas. Cabe a nós a tarefa de resgatar o olhar perdido para o novo som que saiu daqui e voou para longe, como tantos outros, e fazer dela o nosso mais novo orgulho honrado e moderno.
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