Amor plástico (ou "The only way to get rid of temptation is...")
Eu não sei se já falei isso antes, nesse tempo todo que escrevo no club, nesse período de tantas incertezas, muitas alegrias, euforias encantadoras e bodes avassaladores. Não sei se já falei dessa minha relação com a noite.
Devo ter mencionado entre uma euforia e outra que sou apaixonado pelo som do Felipe Venâncio, me acabo na pista do Mau Lopes, que Renato Cecin é tudibom e que sou definitivamente filho da cena eletrônica dos anos 90. Eu estava lá, do começo ao fim da era ValDemente e suas respectivas continuações - ou quase lá, bem perto, olhando da janela - presenciando o meu renascimento psíquico (antes de conhecer a noite eu era apenas mais um gurizinho moderno, rebelde e sem causa. A noite me trouxe uma.) Minha verve foi se formando a partir dali sob o olhar atento do clown do deboche Celso dos Anjos e sob as luzes estroboscópicas da Fundição.
Mas com certeza ainda não havia compartilhado que em mim pairavam muitas dúvidas. A noite foi o meu palco e eu me sentia sim uma estrela. E a vida corria linda e animada; na cachola no fim da noite eu me perguntava o porquê disso ou daquilo na pista. Eu estive em quase todos ou grandes eventos da cena eletrônica carioca e conheço gente que freqüenta a noite desde os 90. Sempre de passagem. Nunca me permiti ao contato direto com aquelas pessoas. Sempre tão over happy, sempre tão amigas umas das outras, detentoras de uma felicidade invejável, capazes de loucuras que eu, sempre muito blasé, olhava meio ressabiado. Pra mim o som era mais importante. Eu e a eletrônica, a beleza ao redor e só. O resto era figuração. No fundo eu sempre quis - confesso até pra mim mesmo agora - fazer parte daquela almôndega. Não precisei citar isso em análise, não era um dilema. Sempre aceitei o meu lugar de ouvinte amante e espectador oblíquo.
E foi então que no sábado passado, em pleno carnaval, eu descobri o sentido de tudo. Sem saber, incicialmente, fiz parte - durante as seis horas que passei dançando na pista - daquele seleto grupo de pessoas que se divertem e que iluminam a pista com o poder que emanam de seus poros. O poder do amor. Concentrado numa simples pílula rosada, de codinome Euro, mais conhecida como Ecstasy a bala do amor.
Eu estava com medo, muito medo mas o desejo de dar um salto na evolução dos meus sentidos falou mais alto e resolvi arriscar. Foi escolha minha. Apresentaram-me a pílula rosa e a azul, o aceito e o não aceito. Escolhi o aceito. E meia hora depois eu já era outro Mário, um Santo Mário com um cérebro que saltava e fluía exageradamente, com pensamentos rápidos e sensações fabulosas. Foi maravilhoso. De repente uma moça linda e lânguida que estava ao meu lado me estendeu a mão e dançamos loucamente como se estivéssemos flutuando no ar. Eu sentia uma necessidade gigantesca de compartilhar todo aquele amor que transbordava abundantemente pela minha pele, meu olhar.
Não, eu não perdi os sentidos, eu não saí da realidade vendo borboletas gigantes e coloridas; nada disso. Em mim o efeito da balinha foi um catalisador de emoções guardadas só para íntimos momentos; agora aflorados e divididos com todos. O meu sexo desapareceu - era apenas um ser vivo, não mais um homem homossexual - mas minha excitação era latente. Sentia uma estranha força fazendo-me acariciar meu tórax, meus braços, meu rosto, ali mesmo na pista, como todos fazem, como todos sempre fizeram. Eu me entreguei a mim mesmo e aos abraços de todos que vinham em minha direção.
A música fascinante e linear que antes era apreciada por no máximo três horinhas era agora a moldura perfeita para toda aquela onda. Entendi todo o processo. Todas as minhas dúvidas foram solucionadas: as cores, a pista, os óculos escuros, os belos corpos, as garrafas de água, os pirulitos, a pegação exacerbada, a velha almôndega, os longos beijos. Ah, os beijos! Agora tudo está claro.
O efeito passou quatro horas depois. E na minha cabecinha, quase balzaquiana, um novo amor se elucidou.
A X-Demente de sábado, na Marina da Glória, ficou marcada na minha pele, na minha memória, nos registros dos meus milhares de neurônios não perdidos, na recordação pulsante que me faz quase gozar só de lembrar.
Não posso dizer se haverá outras novas incursões ao amor plástico mas posso dizer, parafraseando Oscar Wilde, que a única maneira de nos livrarmos de uma tentação é cedendo a ela.
Que Deus nos proteja.
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