Identidade revelada
Já que estou sem analista no momentó, já que estou contando com o apoio dos amigos, já que o ano está acabando e que vocês foram tão gentis comigo, eu tenho que confessar uma coisa:
Hoje, depois da primeira consulta com o novo acupunturista, um cara todo gentil, benito e cheio de truques - que ... pegou no meu braço, segurou o meu pulso e sentiu minhas pulsações com os dedos e então disparou tudo o que eu sentia e o porquê da minha ida até ele. Fiquei bege! - eu não resisti a um impulso e finalmente comprei na loja C&A da Tijuca.
Foi maior que eu. Eu estava carente, com pouco dinheiro, monido do cartão de lá que minha mãe me deu de Natal e estupefato com a consulta reveladora. Me joguei naquela muvuca típica da fantasia de Regina Casé, com muitas cores e rostos de Gisele Bündchen por todo lado. Senti uma sensação estranha. Foi como se tivesse encontrado o meu lugar, em meio a tantos produtos básicos e de tiragem popular - milhares de gente que usam a mesma estampa, o mesmo jeans.
Eu acho que a Tijuca é o meu lugar, gente. Nem mesmo o bairro dormitório onde me escondo, a Ilha do Governador e seu provincianismo barato tem tal encantamento sobre mim. De repente eu sou um cidadão provinciano com um ranso burguês, não sei. É tipico de lá.
Só sei que foi gostoso revirar as araras, as prateleiras, olhar pros lados e ver aquela gente feliz, se enchendo de sacolas de roupas e calçados, satisfazendo os seus egos consumistas sem a preocupação se vão encontrar todos os vizinhos do bairro com a mesma saia, o mesmo sapatinho de borracha e bico fino, a mesma bermuda de tac-tel florida. Isso realmente não importa, o que importa e ser feliz e poder gastar o décimo terceiro salário dignamente.
Ai, ai, eu acho que estou virando tijucano mesmo, minha gente!
Na fila do caixa, uma senhora toda engomada e com laquê no cabelo, se virou pra mim e disse - com aquela intimidade com o outro que só o pessoal da zona norte tem -
"Meu filho, esse rapaz é lerdo mesmo não é? Você não acha? Hein?"
E eu, sem a cara blasé de sempre entrei no clima e respondi:
"É mesmo! Ele fica bocejando na nossa cara, tenha dó! Ainda tenho que pegar o 426 pra ir pro trabalho, sabia?!"
E ela retrucou, adorando a minha colocação de operário indignado com a lerdeza do rapaz de topete tijucano:
"Pois é, agente fica aqui nessa fila, gastando os tubos pra engordar os bolsos do holandeses e eles nem aí pro nosso conforto. Minhas varizes estão gritando e eu tô quase sentando a bolsa nesse garoto."
Após esse diálogo genuinamente zona norte, nada blasé, completamente engajado, sem salto e já com minhas compras pagas e parceladas em três leves prestações, eu me toquei do que tinha feito. Tinha me misturado. Tinha deixado me contagiar pela verdade latente em mim. Sem ficar medindo as palavras e os gestos. Adorei essa minha efêmera faceta. Efêmera? Será?
Não sei não, pelo andar da carruagem, mesmo que eu me mude pra elite favelada da Gávea, vou levar esse perfil comigo.
Paira em mim um desejo intenso de me misturar num geléia geral que de tudo faz um pouco.
Faz compras de Natal na C&A, lê o jornal do bairro, usa o mesmo jeans do moço da padaria mas que também almoça no Carlota, assiste o por do sol no 9, se joga no zero zero aos domingos e é feliz pacas.
Tô pseudo feliz e quero um cartão das lojas Renner.
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